São muitos os conflitos que surgem em uma pessoa ao ser diagnosticada com câncer, independente do seu tipo. A insegurança em relação a eficácia do tratamento oncológico, o medo da morte, da mutilação, os desconfortos com os efeitos colaterais do tratamento, as dores, a necessidade de aceitação das mudanças na sua rotina e no seu corpo, a preocupação com a repercussão da notícia da doença na família, no seu relacionamento amoroso (quando possui um), no círculo de amigos, no ambiente de trabalho etc. Ufa!
No primeiro momento, é normal que não se pense na sexualidade e até mesmo no ato sexual em si.
Entretanto, é importante ressaltar que a Organização Mundial da Saúde (OMS, 1975) entende a sexualidade como um dos pilares para qualidade de vida das pessoas, inclusive de pacientes em tratamento de câncer.
Infelizmente, sabemos que a sexualidade ainda é tratada como tabu, inclusive pela classe médica, e isso inclui a área oncológica. O tema não é abordado pelos médicos nas consultas de acompanhamento dos pacientes com câncer, seja por falta de informação ou de entendimento de que ele não é significante no momento de vida da paciente, uma vez que o foco está na doença e em como obter êxito na sua cura. Independente do motivo, isso torna a sexualidade ainda mais distante da vida dessas mulheres durante (e até mesmo após) o tratamento oncológico.
Em contrapartida, é preciso levar em consideração que a sexualidade, inclusive em pessoas sem câncer, ainda é rodeada de pré-conceitos e muitas mulheres, desde a sua iniciação sexual, não tem conhecimentos de qualidade sobre o seu corpo e até mesmo sobre as formas de obter prazer sozinha (e acompanhada). Somado a este fato, as mulheres com diagnóstico de câncer, abaladas com todas as alterações físicas e psicossociais que estão vivendo, pelo menos em um primeiro momento, se sentem inseguras e começam a deixar a sua sexualidade de lado, e até mesmo a evitar o ato sexual ou qualquer contato íntimo com seus parceiros(as), podendo desenvolver uma ou mais disfunções sexuais.
A disfunção sexual é um bloqueio total ou parcial da resposta sexual humana, que causa dor e sofrimento e pode ter causas orgânicas ou psicológicas.
Infelizmente, as disfunções sexuais são problemas recorrentes em pacientes com câncer, que podem estar associadas ao tipo de câncer, bem como ao tratamento adotado e as suas consequências, tais como cansaço, mudanças físicas, depressão, angústia em relação a cura, preocupação com os familiares e as finanças.
Em pacientes oncológicos, três fatores da sexualidade humana podem estar comprometidos, são eles:
- Imagem corporal: aumento ou perda de peso, perda de pelos, mucosite, cansaço, mutilação entre outros.
- Habilidade reprodutiva: por conta da linha terapêutica utilizada, pode ocorrer infertilidade temporária ou até mesmo permanente.
- Funcionamento sexual: a resposta sexual pode sofrer diversas alterações como efeito colateral do tratamento ou cirurgia, a começar pelo ressecamento vaginal, que provoca dor e pode desencadear várias disfunções sexuais.
As disfunções sexuais mais comuns em pacientes com câncer incluem a perda de libido, certos efeitos da cirurgia e irradiação em mulheres, dificuldades de orgasmo, confusão acerca do seu papel sexual ou capacidade de atração, prejuízo da imagem corporal, dores, fadiga, depressão e/ou ansiedade e infertilidade (informações do autor Carvalho, do livro “Temas em psico-oncologia”, 2008). Elas podem surgir em decorrência do tratamento oncológico, mas também podem ter a sua origem antes do diagnóstico da doença. Portanto, não é possível afirmar que todas as mulheres eram “saudáveis” sexualmente e depois do tratamento de câncer ficaram “doentes”, muito menos o contrário.
O que podemos afirmar é que, independentemente do passado dessas mulheres em tratamento para neoplasia, a partir do surgimento do câncer elas passam a sofrer algumas inadequações sexuais, sejam elas da ordem do desejo, da excitação, do orgasmo ou de dor, que prejudicam a qualidade de vida delas durante e até mesmo após o tratamento oncológico. Entretanto, a falta de informação tanto por parte dos pacientes quanto dos profissionais de saúde dificultam o diagnóstico e o tratamento destas disfunções sexuais.
As mulheres com disfunções sexuais em decorrência dos tratamentos oncológicos deixam de desfrutar os benefícios que uma vida sexual ou um contato mais íntimo com seu parceiro(a) pode proporcionar, por medo e falta de orientação da equipe médica.
O sexo é ótimo para produzir endorfina e por consequência ajudar a diminuir as dores, além de melhorar o sistema imunológico, faz bem ao coração e tem muitos outros benefícios para a saúde, e ele fica de lado durante e, muitas vezes, após o tratamento do câncer porque as mulheres não abordam o tema (por vergonha) com os médicos, e eles, em contrapartida, não tem conhecimento necessário ou não dão importância e não sabem como endereçar o assunto.
Importante destacar a importância da manutenção da afetividade e da conjugalidade durante o processo, ou seja, a família e a sua parceria amorosa e sexual devem estar junto com essa mulher, dentro do possível, com muito respeito, amor e cumplicidade, como forma de promover o aumento da autoestima da paciente, estimulando a sua melhora, demonstrando carinho, afeto e contribuindo para um bem-estar geral, em meio a tantas angústias e dores.
Devido a tantos tabus e falta de informação, tanto pela equipe médica, quanto da própria paciente, destaco a necessidade destas mulheres que apresentam uma disfunção sexual, em realizar um acompanhamento multidisciplinar, incluindo um(a) terapeuta sexual, para que possam identificar seu problema e tratar adequadamente, como uma forma de autoconhecimento e educação sexual, contribuindo para o reestabelecimento de sua saúde sexual, que de maneiras diretas e indiretas contribuirão para o seu bem-estar geral e até mesmo a sua cura.
*As opiniões contidas neste artigo são de responsabilidade do autor.
Referência: CARVALHO V. A., et al (Coord). Temas em psico-oncologia. São Paulo: Summus, 2008.